Não terá sido por acaso
que, em ano de plena crise económica, as regras da tributação autónoma em IRC se
alteraram de modo a acomodar um aumento de receita para o Estado, por vezes
inversamente proporcional aos lucros obtidos pelas empresas.
Estranho? Eu
passo a explicar.
Até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado
para 2011, somente as empresas que apresentassem prejuízo fiscal nos dois
exercícios anteriores ficariam sujeitas à taxa agravada de tributação autónoma
de 20%, a incidir sobre as despesas dedutíveis respeitantes a
viaturas ligeiras
de passageiros e mistas, cujo valor de aquisição fosse superior a 40 mil
euros.A partir de 2011, inclusive, aquela regra foi alterada no sentido
de todas as taxas de tributação autónoma passarem a ser agravadas em dez pontos
percentuais, sempre que o contribuinte apresente prejuízo fiscal no próprio
exercício a que os encargos respeitem.
Ora, aliando esta nova regra ao
facto de a taxa de 20% de tributação autónoma ter passado a ser aplicada às
despesas com viaturas de valor superior a 30 mil euros (para as adquiridas em
2011), independentemente de a empresa apresentar prejuízos fiscais ou não, veio
fazer com que a taxa final de tributação autónoma possa ascender a uns meros
30%.
E tudo isto num exercício em que a maioria das empresas começa a
sentir "na pele" os efeitos nefastos da crise económica e lutam por conseguir
sobreviver.
De facto, começa a assistir-se a um sistema tributário em que
cada vez mais o conceito de imposto sobre o rendimento mais parece uma miragem
ou uma ideia conceptualmente correcta mas sem aplicação prática.
Quantas
empresas, agora no fecho das contas do exercício de 2011, acabaram por registar
como encargo de imposto do ano apenas o valor referente à tributação autónoma, a
qual incide exclusivamente sobre a despesa e não sobre o rendimento, agravada
ainda pelo facto de a actual conjuntura não lhes ter permitido apurar lucro
tributável no exercício?
E o pior é que a maioria dos sujeitos passivos
ainda não se encontra sensibilizado para estas novas regras e provavelmente só
se vai aperceber deste facto quando for preencher a sua declaração Modelo 22 de
2011 no próximo mês de Maio, sem ter reflectido essa situação nas suas contas. E
que surpresa vão ter.
É que, no limite, uma empresa que só possua
viaturas de valor não superior ao limite legal vai calcular a sua tributação
autónoma à taxa de 10%, quando a taxa correcta poderá ser de 20%, se apresentar
prejuízo fiscal no exercício. Este acréscimo representará assim uma duplicação
face ao valor inicialmente estimado.
Isto já para não falar no facto de a
tributação autónoma ter passado a incidir sobre a totalidade das despesas
elegíveis, independentemente de estas serem consideradas como fiscalmente
dedutíveis ou não. É que anteriormente a 2011, somente se sujeitavam a
tributação autónoma os encargos que fossem aceites para efeitos fiscais, o que
significava que as despesas acrescidas ao resultado líquido do exercício não
eram consideradas para efeitos desta tributação, evitando assim qualquer
duplicação de colecta.
Acresce a toda esta situação o facto de a dedução
dos prejuízos fiscais reportados ter passado a ser limitada a 25% do lucro
tributável apurado em período de reporte, impondo assim algumas restrições a
nível do apuramento dos impostos diferidos associados.
Deste modo,
quando as empresas que apresentarem prejuízos fiscais procurarem calcular o
respectivo activo por impostos diferidos, deverão ter em atenção que os mesmos
poderão não ser recuperáveis a 100% no futuro.
Concluindo, as empresas
que apresentam prejuízo fiscal a partir de 2011 poderão acabar por ser mais
penalizadas, do ponto de vista fiscal, do que aquelas que apresentem lucro
tributável.
TOME
NOTA1. Já lá vai o tempo em que uma
situação de prejuízo fiscal não dava origem ao pagamento de impostos sobre um
lucro que não existia;
2. Hoje em dia, além de as
empresas com prejuízo fiscal já terem de efectuar pagamentos especiais por
conta, vêem a sua taxa de tributação autónoma ser agravada em 10%;
3. Este agravamento abrange não só os
encargos com viaturas
ligeiras de passageiros ou mistas, mas também as despesas de representação, as
ajudas de custo e o pagamento de subsídios por deslocação em viatura própria,
bem como as remunerações variáveis e as indemnizações por cessação de funções,
ambas aplicáveis a gestores, administradores e gerentes;
4. Neste contexto, as empresas sentir-se-ão tentadas a corrigir
"por excesso" o seu resultado líquido contabilístico, de modo a alcançar o tão
almejado lucro tributável e evitar, assim, o agravamento da tributação
autónoma?